No dia em que eu conheci - Por: Adaelson Alves Silva



Dr. Adaelson Alves Silva , piritibano, radicado no Paraná, médico Nefrologista. E autor do lindo texto "No dia em que eu conheci".

Hoje começa mais uma parceria do Blog Ian Notícias. o primeiro episódio da Série "Um Dedo De Prosa".

VEJA "No dia em que eu conheci":

Em tempos de Pandemia, isolamento social, muitas vezes a gente conversa com a gente mesmo. Ontem eu tive uma boa conversa comigo mesmo.  Um papo cabeça. Falamos sobre vários assuntos ao mesmo tempo. Num dado momento eu me perguntei: qual seria o meu desejo de consumo hoje? O que eu gostaria de ouvir no meu enterro? Que boas lembranças eu poderia contar da minha infância? Como Jack, o estripador, vamos por partes. Meu desejo de consumo? Já ter tido contraído o Covid 19. - O que gostaria de ouvir no meu enterro? - Ele está “suspirando”.
Vamos falar um pouco da infância, quando todas as crianças da minha idade sonhavam em conhecer a Bahia (Salvador). Eu não era diferente. A diferença é que aos 08 anos, meu pai me levou para conhecer a nossa capital. Foi uma longa distância “nas asas do ônibus, Expresso Xique–Xique”. Na véspera, minha mãe preparou uma farofa de galinha para a gente comer no caminho. Não posso dizer que a farofa estava deliciosa, porque o “vuco-vuco” do ônibus e o cheiro de óleo diesel embrulharam o meu estômago, pouco acostumado às longas viagens.
 Final de noite e a nossa viagem chegou ao final. Só acordei com o ônibus chegando à rodoviária. Fiquei simplesmente encantado ao ver tantas luzes à minha volta. Eu vi um prédio com todas as suas luzes acessas, quase chegando à altura das nuvens. “Apiamos” do ônibus e, juntos, embarcamos num trenzinho bem menor que o trem da Piritiba. Achei estranho, porque o trenzinho andava pendurado num fio. Desconfiei e perguntei para o pai se o motorista não sabia dirigir e, por isso, precisava que o trenzinho estivesse pendurado nos fios. Meu pai disse que o trenzinho era um bonde e, que, o motorista era chamado de motorneiro.
Pois bem. No meio da viagem passou um cara uniformizado e com um boné na cabeça. Veio cobrar o dinheiro da passagem. Meu pai pagou e ele pegou o dinheiro, dobrou a cédula de comprido e a colocou junto com as outras entre o indicador e o dedo médio.
A viagem terminou na Praça da Sé, e meu pai me levou para tomar um sorvete numa sorveteria do Elevador Lacerda. Confesso que fiquei com as pernas trêmulas, quando, da mureta eu pude ver descortinadas sob os meus olhos, toda a Bahia de Todos os Santos. Ali estava o forte de São Marcelo no meio daquela imensidão de água. Tive vontade de pedir os olhos do pai para me ajudar a ver tanta beleza.
Ia me esquecendo de um detalhe. Na Praça da Sé, eu vi com estes olhos que a terra um dia cobrirá um painel luminoso que ia contando muitas coisas com suas letras iluminadas. Depois me contaram que aquilo era como se fosse um jornal de luzes acesas.
E o mar? No dia seguinte, bem cedinho, fomos conhecê-lo. Um amigo já tinha me contado muitas coisas sobre ele. Tinha me falado das ondas. Confesso que fiquei encantado quando as vi, com suas lindas espumas brancas que vinham fazendo um grande barulho e, calmamente, beijavam os nossos pés. Quanta humildade...
E aquele mundo de águas azuis, que a minha vista não conseguia ver tudo?
- Ou lagoão retado, não é painho?
- Não é lagoa não. É o mar.
- Ou marão retado, emendei sem pestanejar.
E você deve estar a perguntar se eu tive vontade de experimentar a água para ver se era salgada?
Com as minhas duas mãos, eu fiz uma cuia e enchi de água, levando à boca. Confesso que só consegui engolir um pouco. A “bicha” era mais salgado que a água do Açude da Piritiba.

Tenham um bom domingo.

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