Na Semana Santa da nossa infância, os primos reuniam-se no quintal de Tetê, a vó. Podiam brincar de Eú, pular corda, subir na mangueira, chupar pitanga. Na verdade, o que não era permitido era falar nome feio e cantar. A vó sugeria que jejuássemos. Alguns tentavam, mas acabavam comendo fufuca às escondidas.
E se alguém falasse um palavrão?
Bem, neste caso não faltava quem fosse entregar o pecador para uma conversa com a vó, que, de imediato, mandava pagar o pecado rezando Ave-Marias. Se o palavrão fosse muito feio, tinha também que rezar o Pai Nosso. Tanto mais quanto fosse o “tamanho” dele.
Netinho, muito prevenido, foi conversar com Tetê, dizendo que tinha rezado doze Ave-Marias. A vó ficou orgulhosa com o gesto do neto.
Vai daí que Netinho perguntou:
- Eu posso falar quantas puta-que-pariu com as Ave-Marias que rezei?
Se você pensa que a prosa já terminou, está enganado. Ela, a vó, reunia todos os netos em volta do velho rádio que ficava sobre a cristaleira da sala, para mais uma vez ouvirmos “a vida e morte de Cristo”.
Com autoridade de vó, ela ligava o rádio e pedia para que prestássemos muita atenção na narrativa do locutor, que, com voz empastada, dizia:
“Naquele dia, durante a festa, Pilatos precisava soltar um criminoso. Cristo ou Barrabás? Tentou salvar Cristo dizendo para a multidão que o ouvia: não achei neste homem culpa alguma daquelas que o acusais. Que mal fez ele? Eu não acho nele causa alguma de morte. Vocês querem que eu solte Cristo ou Barrabás?
-Solta Barrabás e crucifica o Cristo, gritava o povo enfurecido. E Pilatos lava as mãos e entrega Jesus de Nazareno para ser crucificado.
Após ouvir a sentença, minha vó levanta-se, desliga o rádio e com grande tristeza, pede para que a gente vá brincar no quintal. Quem sabe, no próximo ano, Pilatos mude o curso da história salvando Jesus e entregando Barrabás para ser crucificado!
D. HERCULANA (Tetê), MINHÁ VÓ.
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